Ana Andrade
“Cientistas provam de vez que um composto do vinho tinto
prolonga a vida e protege da doença
Ana Gerschenfeld (Jornal Público)
Vinho tinto, amendoins e frutos vermelhos contêm resveratrol
nelson garrido .
Os benefícios do resveratrol para a saúde foram questionados
durante anos. Agora, o seu mecanismo de acção foi desvendado.
Quem diria que quando fazemos um brinde com vinho
tinto e entoamos o proverbial "saúde!", estamos mesmo a falar
literalmente? No entanto, é isso que mostra um novo estudo, publicado hoje na
revista Science por David Sinclair, da Universidade Harvard (EUA), e colegas -
entre os quais duas portuguesas. Em 2006,
a equipa de Sinclair publicava os primeiros resultados que
sugeriam que o resveratrol, composto presente na casca das uvas, nos amendoins
e nos frutos
vermelhos, era capaz de prolongar a vida de ratinhos de
laboratório. Criou-se então uma empresa, a Sirtris Pharmaceuticals (do grupo
GSK), para desenvolver
compostos de acção semelhante à do resveratrol.
Segundo Sinclair e colegas, o resveratrol agia estimulando a
actividade de uma proteína, chamada SIRT1 (sirtuína 1). Mas a seguir, houve
quem argumentasse
que o resveratrol só agia em presença de compostos
sintéticos específicos utilizados nas experiências - ou seja, em condições
artificiais. Entretanto,
ao longo dos anos, foi-se acumulando uma massa de resultados
que indicavam fortemente que em muitas espécies animais, incluindo a nossa, a
SIRT1 protege, por sua vez, o organismo de doenças ligadas ao envelhecimento
como o cancro, a Alzheimer, a diabetes. Os ratinhos que tomam resveratrol são
relativamente
imunes aos efeitos da obesidade e da velhice - e o composto
aumenta a longevidade de leveduras, nemátodos, abelhas, moscas e ratinhos,
lembra um comunicado
de Harvard.
Como? Melhorando o desempenho das mitocôndrias, que são as
"baterias" das células vivas. Com a idade, elas começam a ter
problemas de funcionamento - e
o facto de a SIRT1 as conseguir "recarregar" tem
efeitos profundos sobre a saúde. Restava, porém, a questão de saber se o
resveratrol estimulava mesmo directamente a SIRT1 e tinha efectivo potencial
terapêutico, ou se o seu efeito era uma miragem experimental.
No novo estudo, os cientistas põem fim ao debate. Primeiro,
mostram que o resveratrol activa a SIRT1 em presença de moléculas naturalmente
produzidas pelas
células vivas. "Descobrimos uma assinatura da activação
que se encontra de facto nas células e que não exige qualquer composto
sintético", diz Basil Hubbard,
co-autor, citado pelo mesmo comunicado. Em segundo lugar,
identificam, na molécula de SIRT1, o local de acção preciso do
resveratrol. Para isso, a equipa
testou umas 2000 variantes do gene que comanda o fabrico da
SIRT1 pelas células e descobriu uma mutação específica que torna esta proteína
completamente
insensível ao resveratrol e a uma série de moléculas
semelhantes ainda mais potentes. Basta trocar um único aminoácido num dado
local da cadeia molecular
da SIRT1 (os aminoácidos são os "tijolos" de
construção das proteínas) para o resveratrol não se conseguir ligar à SIRT1.
A partir daí, os investigadores puderam testar o efeito da
mutação em culturas de células. E constataram que, enquanto nas células com uma
SRT1 normal, as mitocôndrias eram efectivamente "recarregadas" graças
ao resveratrol, nas células com uma SRT1 mutante as mitocôndrias tornavam-se
completamente "imunes"
ao composto. "Esta foi a experiência decisiva. Não
permite qualquer outra opção senão concluir que o resveratrol activa
directamente a SIRT1 nas células",
diz Sinclair. Os investigadores pensam que o mecanismo de
acção do resveratrol, quando ele se liga à SIRT1, é como se carregasse num
"pedal acelerador",
tornando a SIRT1 hiperactiva. "A sirtuína tem um
efeito regulador muito importante na função mitocondrial e este estudo vem
retirar qualquer dúvida acerca
da activação directa da SIRT1 pelo resveratrol", disse
ao PÚBLICO Anabela Rolo, da Universidade de Aveiro, também co-autora do
trabalho, juntamente com
Ana Gomes (neste momento a trabalhar no laboratório de
Sinclair). O interesse específico destas investigadoras - que colaboram há
vários anos com a equipa
norte-americana - é a regulação mitocondrial. A sua
participação teve por isso a ver com a avaliação, nas culturas celulares, das
consequências funcionais,
ao nível das mitocôndrias, da mutação da
SIRT1. "Agora, torna-se possível sintetizar compostos mais eficazes,
com um efeito terapêutico mais acentuado",
diz-nos Anabela Rolo. Aliás, já estão a decorrer ensaios
clínicos de vários compostos desenvolvidos pela Sirtris - mas ainda não há data
marcada para uma
eventual comercialização.”
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